O objetivo deste trabalho é analisar a influência das teorizações pós-críticas para o currículo da Educação Física, especialmente dos Estudos Culturais e do multiculturalismo crítico, na constituição da identidade docente. Ao confrontarmos a configuração da Educação Física no contexto escolar no município de Aracaju-SE com as necessidades educacionais que se apresentam na contemporaneidade, marcada pela globalização neoliberal e pelas relações de poder que fragmentam as sociedades multiculturais entre dominantes e dominados, restringindo os direitos desses últimos, realizamos uma pesquisa-ação crítico-colaborativa (FRANCO, 2005) com intenção de viabilizar a elaboração e implementação de um currículo multicultural crítico na tematização das práticas corporais na Educação Infantil. Para tanto, contatamos uma professora em atuação na rede pública municipal que já expressava identidade com práticas pedagógicas atentas à diversidade cultural e preocupadas em favorecer a constituição de identidades democráticas. Entretanto, as observações durante os dois meses iniciais da pesquisa, desenvolvida a partir de agosto de 2010, nos permitiram perceber que apesar de a professora expressar o desejo de respeitar e valorizar a diversidade cultural em suas práticas educativas, muitas de suas representações subjetivas acerca de manifestações culturais, gênero e conhecimentos a serem ensinados na escola eram transmitidos durante as ações didáticas, sem que a mesma tivesse consciência de que estava privilegiando determinadas concepções, modos de atuação, comportamentos e conhecimentos pertinentes a grupos hegemônicos. Como pedagoga, desenvolvia o ensino com as crianças de 5 anos, tratando de conhecimentos relativos às habilidades de leitura, escrita e aritmética. As práticas corporais, apareciam como vivência de brincadeiras livres e orientadas para subsidiar a aprendizagem lúdica da leitura, escrita e ordenação numérica. Ademais, a professora valorizava a utilização das práticas corporais como elemento para o desenvolvimento motor das crianças e transpareciam delimitações de brincadeiras pertinentes a meninas e a meninos. As crianças não eram estimuladas a questionarem e transgredirem conscientemente padrões referentes ao gênero e a injustiças sociais que as tocavam. A discussão sobre a diversidade era apresentada como uma variedade de escolhas e de culturas existentes no mundo, mas sem problematizações e tensionamentos das relações de poder inerentes a essas diferenças. Diante dos aspectos observados e do desafio de elaborar e implementar um currículo multicultural crítico que reconhecesse as relações de poder e radicalizasse a experiência democrática através das ações didáticas com a cultura corporal, promovemos o contato da professora com as teorizações dos Estudos Culturais para a educação (JHONSON, 2010) e as proposições do multiculturalismo crítico para o currículo da Educação Física (NEIRA e NUNES, 2006 e 2009). Ao compreender a centralidade da cultura na constituição identitária dos sujeitos e as análises e proposições de diálogo e respeito às diferenças em meio à sociedade multicultural atual, a professora passou a assumir posturas mais democráticas e empreender ações didáticas que, ao questionar relações de poder e viabilizar formas de enfrentamento de injustiças na tematização da cultura corporal, apresentavam-se efetivamente comprometidas com a diversidade cultural e a justiça social. Concluímos que a experiência que se deu no âmbito teórico e prático com as teorizações pós-críticas interferiu na constituição da identidade profissional e pessoal da docente, o que tensionou seu engajamento político em favor da constituição de identidades e, em última instância, de sociedades democráticas através da seleção de conhecimentos, das ações didáticas, das formas de avaliação e de sua atuação como docente e como sujeito social.

Palavras chave: Estudos Culturais, Multiculturalismo Crítico, Educação Física, identidade docente.