Em uma sociedade altamente globalizada, multicultural e profundamente desigual, os sujeitos vêm sendo indicados, classificados, ordenados, hierarquizados e definidos pela aparência de seus corpos a partir de padrões e referências, normas, valores e ideais da cultura dominante: branca, burguesa, cristã, masculina e heterossexual. Do envolvimento com a prática pedagógica da Educação Física cultural e da simpatia pelas produções de Judith Butler e da Teoria Queer, emergiu o desejo de investigar os processos de configuração de corpos abjetos, como essa condição social é produzida e como nesse processo de produção se estabelece uma gama infinita de relações de poder. Considerando que a ocorrência social das práticas corporais também produz suas abjeções, buscamos investigar como o currículo cultural de Educação Física contribui para o tensionamento das heteronormatividades e da normatização de corpos. Uma queerização metodológica foi realizada a partir de experiências pedagógicas durante a tematização das ginásticas, no contexto pandêmico e do ensino híbrido emergencial, com corpos-crianças do 3º e 4º ano do Ensino Fundamental em uma escola pública de São Paulo. Nesse cenário, produzimos arquivos queer atrelados a um tempo, espaço e território. Cientes de que o reconhecimento é central no interior da concepção butleriana, buscamos pensar em maneiras de produzir coletivamente um conjunto de novos quadros de inteligibilidades atrelados à interação corporal. As análises empíricas nos permitiram pensar em algumas possibilidades: tornar pública a potência que carrega conhecimentos que, por vezes, foram lançados muro afora da escola; deslocar as concepções binárias e individuais que impedem a propagação de outras narrativas, através do estabelecimento de alianças, laços e afetos; reconhecer a precariedade constitutiva que atravessa nossos corpos, estabelecendo relações éticas baseadas na relacionalidade; criar coletivamente condições de caminhar livremente pela sociedade sem sofrer qualquer tipo de violência por existir; expandir os sentidos do que o mundo considera campos aceitáveis, valoráveis e valiosos através da voz do abjeto; afirmar a força da não violência como um princípio ético-político; reconhecer o fracasso como condição de vida; produzir defasagens da performance como eficiência máxima; potencializar condições de produção de memórias a partir das margens, lugar de inscrições que restituem uma história que não foi escrita. As cenas didáticas se mostraram como um importante recurso radicalmente crítico no tensionamento das heteronormatividades sociais e normatização de corpos, ao propor a ressignificação do domínio do simbólico, um desvio da cadeira citacional em direção futura. Entretanto, atuando no campo das apostas, não há garantias. As cenas se constituem como micropolíticas apostas possibilidades resistências interrogações desajustes e… e… e

Palavras-chave: Educação Física cultural. Teoria Queer. Corpo abjeto. Pandemia.

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