Na contemporaneidade, tem sido cada vez mais frequente e potente o discurso salvacionista das Organizações não Governamentais (ONGs) no âmbito da esfera pública. Noção que se alimenta da máxima do protagonismo vivenciado pela sociedade civil que, nas últimas duas décadas por intermédio dessas instituições, acumula experiências diversas no campo assistencial e de formação, inclusive na educação, com o apoio do Estado que, por sua vez, age de forma focalizada e dirigida, segundo interesses de ordem política e econômica. Essas ações se atrelam aos pressupostos neoliberais, sobretudo à lógica mercadológica, tencionando a formação do mercado consumidor futuro e do alívio das tensões sociais, mediante a divulgação dos valores hegemônicos dos grupos dominantes. Estabelece-se nesse cenário um embate entre o público e o privado, fenômeno que gera a diminuição da participação estatal nas políticas públicas sociais, deixando o caminho livre para o Terceiro Setor, invariavelmente nutrido com recursos públicos. Nos últimos anos, a escola assumiu um lugar de destaque no desenvolvimento dessas ações, por intermédio de diversos projetos que, desenvolvidos no interior da instituição, transformam os alunos em público-alvo preferencial das suas ações. Devido ao grande poder de sedução e representatividade entre crianças e jovens, as atividades que abarcam as práticas corporais emergem como ferramentas principais para o alcance dos objetivos desses programas. Neste estudo de caso nos moldes propostos por Stake (1998), buscou-se compreender como as atividades de um projeto social esportivo são desenvolvidas no interior de uma escola pública municipal de São Paulo e quais efeitos produzem para a Educação Física. Para tanto, além da pesquisa bibliográfica que mapeou e analisou a produção científica sobre o assunto, recorreu-se a observação participante, análise documental e entrevistas com os atores do processo. O material coletado foi confrontado com o campo teórico dos Estudos Culturais. A interpretação dos resultados constatou que a presença de um projeto esportivo social na escola contribui para formação de uma identidade de Educação Física contraposta àquela promovida pelas aulas do componente. A ausência de registros sobre as ações desse projeto na escola; a contradição entre a proposta teórica defendida e a prática constatada; a falta de articulação com os referenciais teóricos que sustentam o trabalho pedagógico da instituição; e o enfoque funcionalista e informal atribuído ao trabalho com as manifestações corporais decorrem na socialização de valores personalistas e antidemocráticos. Embora os professores rejeitem a intrusão de uma agência externa, apoiam o desenvolvimento de projetos esportivos, o que indica alienação pedagógica e política, pois denota certa simpatia à mesma pedagogia neoliberal que inspira as atividades analisadas.

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